Mãos


Ao meu lado direito, o corpo afunda no assento, o peso do cansaço por certo fez sucumbir o que restava de vivacidade, não lhe conheço a graça, nem tão pouco a essência da existência. A minha atenção recai sobre as mãos, se existe coisa que observo desde os primórdios da minha história são as mãos. A minha avó diria: -"tem umas mãos tão mimosas!", de repente transporto a mente para tempos idos, em que as primas de Lisboa traziam tais mãos à província, nunca entendi o mistério que estava na génese de tamanha angelical limpeza e cristalinidade, por certo, pensava eu, as águas da cidade transportavam na tubagem produtos futuristas de limpeza, bastaria um banho e também eu poderia carregar mãos daquela perfeita natureza. As mãos que viajavam ao meu lado, deveriam ter sucumbido ás águas da cidade, pois apresentavam o toque do rigor, a delicadeza ao projectado olhar, tal como as mãos das primas de Lisboa, num instante regresso ás minhas, essas nunca brilharam, mantiveram por um motivo ou outro o encardido da vida, são brutas e arqueadas. Quando era criança  a ideia exequível de cavar túneis e construir pontes com as mãos, provocava um tremor ansioso, ao ponto de uma quase libertação urinária, mas era o manuseamento e deslocação das substancias envolvidas, que ajudavam na aglutinação das puras impurezas, alocadas no subsolo das unhas. E assim fui aprendendo a cavar, a escavar as impurezas da vida, algumas delas acabaram por alojar-se em mim de tal forma, que acabaram por fundir-se com a minha hoje, intrínseca personalidade. Por vezes encontro protuberâncias na articulação interna das mãos, vejo que essas protuberâncias são rígidas e com várias camadas de pele, tenho calejado a minha alma com camadas de psique artificial, ao percorrer a soma, encontro as irregularidades escangalhadas, não as vejo, mas sinto que as mãos que outrora foram soma, hoje são o suporte da irregular alma que repousa nos átrios cavernosos daqueles tuneis escavados, onde almejei esconder-me enquanto criança. Que possam soltar-se as mãos do peso arqueado, que possa chover uma purificada água que lave o encardido, o sol por certo virá no pós tempestade para trazer o aconchego de uma suave evaporação gotícular e brilhem as mãos que suportam a alma.     

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