O livro o filho e a árvore



Corria o ano de 1969 e da voz da Simone era expelido com silvos de raiva "quem faz um filho fá-lo por gosto", os cavalos do regime rapidamente se alinharam e num feroz trote, atacaram mais do que a música a ideia da liberdade de poder ser e viver sendo. A ideia do prazer era abominável para um inquisitivo regime, o objetivo era a estupidificação de um povo. E foi ao ouvir a Desfolhada que me deixei vaguear pela ideia tão subjacente de que a existência de um qualquer ser humano só se completa com a santíssima trindade térrea. Deixei-me interrogar pela essência da ideia e rapidamente fui aconchegar-me nos braços do perpetuar da espécie, resume-se a algo tão simples? Inquieto-me com a simplicidade e sou impelido a mergulhar num atroz conteúdo, Darwin leva-nos a crer que vivemos para existir, Nietzsche por seu lado direciona-nos para acreditar que existimos para viver, então o filho é de Darwin e o livro é de Nietzsche no entanto onde posicionamos a árvore? O filho é o recipiente onde alocamos o livro da nossa vida, perpetuamos assim o que somos como um todo, perpassamos a genética e o intelecto na esperança da imortalização de uma existência que se pretende completa, na vã esperança de que o mundo não esqueça quem fomos, gravamos nos recipientes as nossas matrizes com tudo aquilo que fomos e tantas vezes com aquilo que gostaríamos de ter sido, qual egoísmo queremos fazer dos outros o que acreditamos ser o mais correto, maniatamos, conspurcamos, manipulamos. A árvore por momentos esquecia-me da árvore, mas de repente surge a ideia do equilíbrio, a natureza tem uma capacidade de regeneração equilibrando-se com uma constante resiliência, as raízes unem-se a terra para sorver o substrato, talvez a arvore seja o elemento de ligação entre o filho e o livro, talvez seja o elemento que carrega um qualquer Deus que possa querer habitar em nós, talvez seja a essência, talvez seja alma, talvez seja o nosso contacto com o invisível. Geramos um filho, podemos ensina-lo a rir podemos tatear os seus lábios quando ri, mas não conseguimos ensinar o caminho para a felicidade essa será uma descoberta individual, com as ferramentas que possamos colocar á disposição, então talvez possamos enaltecer a árvore e permitir que se revista de uma importância imaterial, talvez seja a árvore a resposta a Hamlet. 

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